sexta-feira, 27 de maio de 2011

Quem tem medo do casamento gay? - Pelo Presidente do IBDFAM




O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo ainda é polêmico e divide opiniões, pois a ele está vinculada a ideia religiosa de matrimônio. Mas quando a Suprema Corte do Brasil, em julgamento do dia 5/5/2011, reconheceu que as uniões homoafetivas, assim como as heteroafetivas, também constituem uma entidade familiar, deu mais um passo importante em direção ao Estado laico, iniciado com a separação oficial Igreja/Estado com a primeira Constituição da República (1891). E assim abriu a possibilidade de se converter a união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento (art. 226, §3° da CF/88), bem como a sua regulamentação, um caminho sem volta.


Além de histórico e emblemático, julgamentos como estes explicam porque a Constituição de um país recebe também o nome de "Carta Política". Afinal, a Constituição de uma República, que se pretende democrática, deve traduzir juridicamente valores e concepções de dignidade, tolerância e não discriminação, igualdade de direitos, respeito às diferenças etc. Aliás, cidadania e inclusão é a plataforma política e ideológica atual, já que não precisamos mais sair às ruas para protestar contra a ditadura e reivindicar eleições diretas.

Os argumentos contrários àquele julgamento, apesar de virem travestidos de jurídicos, são todos de ordem moral-religiosa. Dizem que são inconstitucionais as uniões estáveis homoafetivas por não estarem previstas expressamente como forma de constituição de família, como está o casamento, a união estável e as famílias monoparentais. Argumentam também que o texto constitucional diz que união estável é apenas homem e mulher (art. 226).


Muitas outras formas de família também não estão ali previstas, e nem por isto deixam de ser família. Por exemplo, ninguém duvida de que irmãos vivendo juntos, netos e avós, apesar de não estarem elencadas constitucionalmente, são núcleos familiares legítimos e verdadeiros. Sob o aspecto jurídico, significa dizer que a enumeração constitucional das famílias não é taxativa. É exemplificativa. Mas, quando se refere às famílias homoafetivas muda-se a lógica jurídica para se adequá-la à moral religiosa. Todas as formas de constituição de família são legítimas e devem ser legitimadas pelo Estado, como agora definitivamente reconheceu o STF, independentemente do nome que se dê às relações estáveis homoafetivas.

Por que se pode reconhecer outras formas de família não previstas no artigo 226 e não se pode "legitimar" as famílias homoafetivas? Portanto, a razão não é jurídica. A moral religiosa que tenta sustentar esta ilegitimação é contraditória, projetiva e hipócrita, como todo moralismo. O legislativo continua repetindo a injustiça histórica de ilegitimação, como fez com os filhos e famílias havidos fora do casamento até a Constituição de 1988. A omissão de muitos parlamentares certamente advém do medo de perder votos na próxima eleição ou ser identificado e confundido como homossexual.

A antropologia e a psicanálise já demonstraram ao mundo que família não é um fato da natureza, mas da cultura. A verdadeira razão da homofobia, e o desejo de que tais relações continuem marginalizadas estão diretamente relacionadas aos fantasmas da sexualidade que assombram a todos nós. Alguns têm tanto horror que ao invés de enfrentá-los, ou atravessá-los, preferem impor um discurso civilizatório de exclusão da diferença.


E, em nome de Deus e dos bons costumes, semeiam o desrespeito e a intolerância. Quanto pecado! Os dados do IBGE já revelaram que há no Brasil 60 mil casais homossexuais declarados e outros tantos não declarados. O Direito não pode estar a serviço da exclusão desse contingente populacional.

Desde que Freud revelou ao mundo que a sexualidade é muito mais da ordem do desejo que da genitalidade, pôde-se compreender o porquê de tantos fantasmas que nos assombram. Quando se fala de sexualidade entre iguais, ele aterroriza muito mais. A dificuldade e resistência de se aceitar as preferências sexuais diferentes da maioria, apesar de se travestirem de um discurso moral e religioso, residem na dificuldade de lidar com as próprias questões da sexualidade. Mais fácil e cômodo enveredar-se pelo discurso moralista. Sabe-se, entretanto, que quanto mais moralista, mais pervertido é o sujeito.

Os julgadores são imparciais, mas não são neutros. Ao sentenciar, o magistrado traz consigo toda sua carga de valores, convicções ideológicas e subjetividade advinda de sua história pessoal. Assim, os ministros do STF, ao reconhecerem e incluírem oficialmente as uniões homoafetivas como família, demonstraram também, como sujeitos de desejo, que não tiveram medo dos fantasmas da própria sexualidade e por isto fizeram prevalecer a interpretação constitucional acima de valores morais estigmatizantes e excludentes.

Para além da concretude e consequências práticas da atribuição e distribuição de direitos, a decisão do STF traz consigo uma dimensão simbólica e política da maior importância e significa, sobretudo, a vitória da ética sobre a moral.
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Rodrigo da Cunha Pereira. Presidente do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Advogado, doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e Psicanálise

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sobre o parto anônimo...

Vejam matéria interessante acerca do parto anônimo, colocado como interessante alternativa ao aborto e, por que não, ao abandono de recém nascidos.





Por Thiago Luís Sombra, procurador do estado de São Paulo, mestre em Direito Civil pela PUC-SP e pela Università di Camerino-Itália.

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Desde os anos 1960 e 1970, quando a Suprema Corte americana julgou os casos “Griswold contra Connecticut” e “Roe contra Wade”, para declarar inconstitucionais leis que proibiam casais de utilizar métodos contraceptivos e criminalizavam indistintamente práticas de aborto, o debate em torno das liberdades sexuais, do direito à vida e do direito à privacidade tem conquistado novos contornos.
Em 2005, dois economistas americanos escreveram o livro Freakconomics, no qual defendiam que a redução da criminalidade nos Estados Unidos estava diretamente associada à descriminalização do aborto. Aliás, o referido livro foi citado em uma entrevista de um político brasileiro para conferir autoridade à abordagem: “Quem nunca teve uma namoradinha que fez aborto?”. Mal sabia o arauto que por uma crítica um pouco melhor formulada sobre o tema, o jurista Robert Bork teve a sua indicação para a Suprema Corte americana reprovada pelo Senado.
Curiosamente, logo após a publicação, a metodologia e os dados utilizados pelos autores de Freakconomics foram desmistificados pela revista The Economist (“Oops-onomics”, de 1º de dezembro de 2005), pelo Wall Street Journal (“’Freakonomics' abortion research is faulted by a pair of economists”, de 28. De novembro de 2005) e por Ramesh Ponnuru, no livro The party of death.
No Brasil, segundo dados do IBGE, cerca de 5,3 milhões de mulheres já realizaram aborto. Estima-se que esse montante corresponda a dez vezes menos o número de abortos realizados nos Estados Unidos desde o julgamento do caso Roe contra Wade. A partir de uma pesquisa feita pela Universidade de Brasília em parceria com o Instituto de Bioética, uma em cada sete brasileiras entre 18 e 39 anos já abortou. Se procedentes e precisos — afinal não indicam os números de curetagens, de abortos espontâneos e de anencéfalos, por exemplo —, os dados são alarmantes e revelam a inexistência de políticas públicas sérias e a escassez de alternativas à disposição de muitas dessas mulheres.
Em recente entrevista publicada por um site, 267 deputados da atual legislatura manifestaram-se contrários à legalização do aborto e 78 foram a favor. A proporção entre os parlamentares acompanha a rejeição da população brasileira pela legalização do aborto, que segundo o instituto Vox Populi é da ordem de 82%. E novos desdobramentos são esperados para os próximos meses ante a notícia de que o Supremo Tribunal Federal deverá julgar logo o aborto nos casos anencefalia.
No entanto, enquanto o aborto ocupa o ponto de destaque no cenário nacional, um outro tema desperta a atenção da bioética, do direito e da religião em outros países: o parto anônimo. Trata-se do direito de anonimato assegurado à mãe antes, durante e após o parto, mediante a entrega da criança para a adoção.
O fenômeno relembra a “roda dos expostos” das Santas Casas de Misericórdia e foi regulamentado por países como França, Bélgica, Luxemburgo, Áustria, Índia, República Tcheca, África do Sul, Hungria e 28 estados americanos. Até a Itália, berço do catolicismo, já admitiu o parto anônimo. E por uma razão simples: ele prima pela proteção do direito à vida da criança, resguarda os seus interesses e assegura a preservação da identidade, sem estabelecer vínculos de parentesco. Isso tudo sem ignorar os conflitos e as escolhas da mãe.
Em vários desses países, o parto anônimo teve significativa influência na queda do número de abortos e, especialmente, na diminuição do percentual de mulheres atingidas por seqüelas físicas e psicológicas de procedimentos mal sucedidos. No Brasil, dois projetos de lei sobre o parto anônimo tramitam no Congresso Nacional: o PL 3.220/2008 e o PL 2.747/2008.
Mas sem políticas públicas consistentes de adoção, de planejamento familiar e de proteção à mulher e à criança, não há fórmula — aborto, parto anônimo etc — capaz de alterar o crescente cenário de esfacelamento dos vínculos sociais e afetivos. Longe de se apresentar como uma solução e embora ainda mereça aperfeiçoamentos, o parto anônimo incontestavelmente proporciona uma alternativa menos drástica e menos conflituosa que o aborto.




Fonte: CONJUR